Um mundo marinho para contemplar

Continuando em pleno mar e entrando nele e perscrutado os seus tesouros escondidos encontramos no Barlavento Algarvio um mundo azul cheio de vida e com muitas memórias de tempos passados.

Em termos de património natural o Barlavento Algarvio é constituído por uma multiplicidade de fundos rochosos que dão origem a uma diversidade de habitats e de comunidades biológicas únicas no contexto europeu. Desde as pradarias costeiras de ervas marinhas (Praias de Santa Eulália, Arrifes e Marinha), passando pela zona de maior riqueza natural da costa algarvia que é a Baía de Armação de Pera, pelo complexo rochoso e de recifes artificiais de Alvor, pelas baixas de Porto de Mós, até às grutas de Sagres e às florestas de laminárias da Arrifana, o Barlavento Algarvio tem muito para oferecer.

São muitos os spots de mergulho na costa algarvia em termos de paisagem subaquática e vida marinha e os destaques recaem em Sagres, pelas águas lusas, pelas grutas e túneis, e pela biodiversidade de afinidades múltiplas (boreais, tropicais e mediterrânicas).

Em Sagres, a fotografia subaquática vai mais além das macros feitas noutros pontos do Algarve, e sargos, safias, salmonetes, bodiões ou cardumes de cavalas conseguem captar a atenção e ficar para a posteridade. Aqui os jardins de gorgónias chegam a conter 5 espécies diferentes com quase todas as cores do arco-íris e as não menos coloridas e aparentemente frágeis anémonas-joia, conseguem impor-se na base dos promontórios mais altos, desafiando as ondas oceânicas.

Mas se optarmos pela fotografia em modo macro, temos cerca de 40 espécies de nudibrânquios ou lesmas do mar, que com as suas cores ousadas e garridas, denunciam o seu lado mais tóxico a potenciais predadores.

Há também os peixes tropicais que da costa Atlântica Europeia só conhecem estas paragens: pargo sêmola (Pagrus auriga), dentão das Canárias (Dentex canariensis), peixe-limão (Parapristipoma octolineatum) e castanhetas (Chromis chromis).

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Naufrágios

A par desta riqueza da biodiversidade marinha é no Barlavento Algarvio que se localizam algumas das joias da arqueologia subaquática de Portugal. Dos muitos naufrágios ocorridos na costa do Barlavento Algarvio ao longo dos séculos, os vestígios do L’Ocean, Torvore (Vapor das 19), Vilhelm Krag e do Batelão do Burgau são alguns dos que merecem mais atenção e despertam mais visitas.

O L’Ocean era o navio almirante de uma frota Francesa com cerca de 60m de comprimento e armado com 80 canhões, e que entrou em combate com a armada inglesa na chamada “Batalha de Lagos” em 1759. No final de batalha, o navio em desvantagem buscou a proteção das baterias portuguesas das fortalezas do Zavial e de S. Luís de Almadena, tendo  varado à praia para salvar a tripulação de 800 homens. Foi o primeiro achado arqueológico subaquático a ter um roteiro para mergulhadores, com informação no local (6-9m de profundidade) sobre os destroços.

Os vapores Torvore e Vilhelm Krag foram afundados no mesmo dia juntamente com mais dois cargueiros, em 1917, com cargas explosivas, por um submarino alemão U35 em plena II guerra mundial, ao largo da Praia do Barranco (28-32m de profundidade) e da Praia da Luz (28-34m de profundidade), respetivamente. Mergulhar nestes naufrágios profundos requer um planeamento adicional, mas de recompensa fácil dada a riqueza de formas, da paisagem e de cardumes de peixes-andorinha, fanecas, castanhetas e sargos-veado e de safios e moreias entocados.

Para um mergulho menos profundo (6-10m), propício para iniciantes ou até para quem queira fazer o percurso a partir de praia, está o Batelão do Burgau. Pouco se sabe sobre a sua origem, mas pertenceria provavelmente à antiga pedreira da Ponta de Almádena tendo-se afundado em frente do Burgau devido a uma tempestade, na década de 1980. O navio tem cerca de 20m e uma vida exuberante quer de peixes, quer de invertebrados, sendo um local de excelência para a fotografia subaquática.

Recentemente foi criado um projeto inovador, o Parque Subaquático Ocean Revival, que nasceu do afundamento de quatro navios de guerra históricos da marinha portuguesa, num mesmo local, com o intuito de construir um museu subaquático e simultaneamente um recife artificial, promovendo o turismo subaquático. O Parque situa-se na costa de Portimão a este dos recifes artificiais de Alvor, a 2 milhas de costa em frente da Praia da Prainha e entre os 26 e os 32 m de profundidade.  Os 4 navios afundados são representativos da Armada portuguesa, com um navio patrulha oceânico (Zambeze; 44x8m), um navio hidrográfico (Almeida Carvalho; 64x12m), uma Corveta (Oliveira e Carmo; 85x12m) e uma Fragata (Hermenegildo Capelo; 102x12m).

curiosidades

Caboz-de-três-dorsais (Tripterygion delaisi):

O caboz-de-três-dorsais fêmea apresenta uma coloração marmorada e discreta, ao passo que o macho ostenta a cabeça preta e o corpo amarelo, sendo por isso muito mais exuberante.


Gorgónias:

As gorgónias são cnidários coloniais com aspeto arborescente. As colónias possuem uma haste central axial, com ramificações onde se albergam pequenos pólipos distribuídos pela superfície. As gorgónias mais ramificadas e mais flexíveis povoam, tendencialmente, zonas menos profundas, com correntes mais fortes. As diferentes espécies de gorgónias podem apresentar diferentes colorações: rosa, amarelo, vermelho e branco. Deve salientar-se que é relativamente fácil identificar as seis diferentes espécies que podem ocorrer nesta zona (Eunicella verrucosa, E. labiata, E. gazella, Leptogorgia sarmentosa, L. lusitanica, Paramuricea clavata) .


Anémonas-douradas (Aiptasia diaphana e A. mutabilis):

Estas anémonas são muito semelhantes e particularmente difíceis de distinguir. No entanto a primeira não ultrapassa os 5cm de altura e 2-3cm de diâmetro, enquanto a segunda pode alcançar aos 20cm de altura e 10cm de diâmetro. Paralelamente, se a A. diaphana não tem mais que 80 tentáculos, a A. mutabilis pode ter mais de 160.


Esponja-azul (Hymedesmia versicolor):

O nome científico da espécie refere-se etimologicamente à diversidade de cor em que é encontrada. Assim esta apresenta um azul muito vivo no Algarve, enquanto é descrita como tendo uma cor amarelada na costa mediterrânica. Esta espécie está associada a zonas de sombra, nomeadamente em grutas ou em zonas abaixo dos 20m de profundidade.


Pepinos-do-mar (Holothuria spp.):

Encontram-se descritas várias espécies de pepinos-do-mar na costa algarvia. São animais de crescimento lento que só atingem a maturidade entre os cinco e os oito anos, mas podem atingir tamanhos consideráveis, variando entre 1cm e mais de 1m de comprimento. Para além das diferentes colorações que se podem observar, uma das características diagnosticantes destes indivíduos e curiosas prende-se com a libertação ou não de tubos de Cuvier. Esta estrutura filamentosa extremamente adesiva e com grau tóxico, é libertada quando as holotúrias são atacadas ou simplesmente manuseadas.


Búzio-das-gorgónias, (Simnia spelta):

Este gastrópode de aproximadamente 1cm pode ser encontrado desde os 4m até aos 60m e alimenta-se de gorgónias. O búzio possui coloração variada, que vai do branco ao rosa vivo, mas por norma, apresenta-se de cor semelhante à da gorgónia onde se encontra.

Judia (Coris julis):

Este peixe apresenta dimorfismo sexual acentuado. Assim, o macho possui cores vistosas, com predominância do verde, contrariamente à fêmea que é sobretudo castanha e branca. Trata-se de um peixe hermafrodita, em que as fêmeas podem inverter o sexo transformando-se em machos secundários.


Alga-iridescente (Dictyota cyanoloma):

Esta alga pertence ao grupo das algas castanhas. O talo tem consistência flexível e cor verde-acastanhada ou amarelada, mas dentro de água apresenta iridescência azulada nas margens, o que distingue esta espécie de todas as outras algas.


Alga-armada (Asparagopsis armata):

Trata-se uma alga vermelha com a particularidade de possuir ramos modificados em espinhos (origem do termo “armata”). O seu ciclo de vida apresenta duas fases com morfologias tão distintas que possuem nomes científicos diferentes (Falkenbergia rufolanosa e A. armata). Independentemente da fase, alerta-se os mergulhadores para o facto de esta alga se agregar ao neoprene dos fatos de mergulho, sendo extremamente difícil de retirar.

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Interesses

Coral (Astroides calycularis):

Esta espécie é característica de zonas escuras (ex. grutas) e encontra-se protegida no Mediterrâneo pela Convenção de Berna. É um dos corais que pode ser encontrado na costa portuguesa. O termo coral designa um conjunto de espécies distintas em termos de características, mas que possuem seis tentáculos, ou múltiplos de seis, e segregam um esqueleto de calcário externo.


Rama-rugosa comum (Eunicella verrucosa):

De acordo com o livro vermelho da IUCN esta gorgónia apresenta o estatuto de Vulnerável pois enfrenta risco de extinção na natureza devido a recolhas acidentais pela pesca. Na costa algarvia encontra-se bem com efetivos populacionais estáveis.


Ouriço-do-mar-comum (Paracentrotus lividus):

Embora não possua qualquer medida especial de conservação na costa portuguesa, esta espécie (à semelhança de outras que ocorrem em Portugal, ex. orelha-de-elefante (Spongia agaricina), lagosta (Palinurus elephas), cavaco (Scyllarides latus) e bruxa (Scyllarus arctus) está protegida no Mediterrâneo pela Convenção de Berna.


Pradarias de ervas marinhas (Cymodocea nodosa):

As ervas marinhas são angiospérmicas (plantas com flor) que, contrariamente às algas, possuem caule, folhas, flores e frutos. Estas pradarias de ervas marinhas encontram-se protegidas pela Diretiva Comunitária Habitats (92/43/CEE e Decreto-lei 140/99, de 24 de Abril) para a conservação de habitats naturais da Europa.

Na realidade, estes habitats são invulgares em praias oceânicas da nossa costa, mas podem ainda observar-se manchas na Praia da Marinha e na Praia dos Arrifes. As pradarias são habitats de elevada produtividade, que auxiliam na redução da erosão costeira, na estabilização de sedimentos, na melhoria da qualidade das águas e no aumento da biodiversidade, já que funcionam como zona de abrigo, alimentação e reprodução para diversas espécies marinhas, sendo local de emboscada para predadores invertebrados como o polvo-comum (Octopus vulgaris) ou o choco (Sepia officinalis).

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Perigos

Anémonas (Aiptasia diaphana, A. mutabilis, Alicia mirabilis e Anemonia viridis]):

Estas espécies apresentam células urticantes (cnidoblastos) que sob perturbação libertam uma toxina. Esta toxina provoca irritações na pele, olhos e boca das pessoas, pelo que é importante ter cuidado ao tocar e manusear estes organismos.


Rascassos (Scorpaena spp.):

Os Rascassos ou peixes-escorpião possuem toxinas venenosas na base dos espinhos da barbatana dorsal. Estes peixes (Scorpaena notata, S. porcus) apresentam extraordinária capacidade de mimetização com o ambiente, sendo difíceis de distinguir devido à facilidade de camuflagem em diferentes substratos. Os rascassos que ocorrem no Atlântico não são letais para o homem, mas a picada provoca dormência, dor e ferida. A dor pode durar até 12 horas e causar uma sensação incómoda durante dias a semanas. A dor pode ser acompanhada de ferida, que pode evoluir para vesículas, estando sempre associada um grau variável de edema. Se for picado por um peixe-escorpião considere procurar aconselhamento médico.


Peixe-aranha (Trachinus draco e Echiichthys vipera):

Os peixes-aranha são as espécies marinhas de zonas arenosas e que oferecem maiores receios aos banhistas portugueses pelo facto de serem responsáveis pelo maior número de relatos de picadas por animal venenoso. De facto, o peixe-aranha possui glândulas venenosas na base dos espinhos da primeira barbatana dorsal e na região do opérculo. Este veneno, potencialmente perigoso se chegar à corrente sanguínea, pode paralisar o pé ou a perna por longas horas. O seu efeito causa edema e muita dor, que pode ser diminuída pelo uso de água quente, ou de um anestésico local sobre a ferida.

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